Quais são os nossos lugares, geração minha?

J.G.Heleno

Que geração é esta a minha? Falo especialmente dos nascidos por volta de 1950, até 15 anos antes, uns 20 depois... por aí. Daqueles que entraram no Serviço Público 25... 30... anos depois. Dos concursados nas décadas de 70, 80, 90 ... em torno disso principalmente, sem excluir os outros.

Entramos na disputa por um lugar ao sol, quando Capital e Trabalho se digladiavam. Nossas grandes questões de juventude haviam se resumido especialmente em definir de que lado estaríamos... Se queríamos compartilhar a vidinha despreocupada da “burguesia”, ou se queríamos ser salvadores da pátria. A primeira opção nos encaminhava para profissões como a de engenheiro, de médico, de advogado ou economista. Valia também um bom emprego na Mannesmann, na Souza Cruz, num grande laboratório internacional... Para os menos escrupulosos, até um bico como informante das forças conservadoras. Desde que fosse para garantir um lugar entre os comensais do Capital. Ou se, em nome da justiça social, preferíamos – estas eram nossas escolhas essenciais - estar ao lado do proletariado, arriscando a própria pele, ou até pegando em armas... A recompensa era a consciência tranquila por não deixar pega para as gerações futuras - nossos filhos e netos – cobrarem nossa omissão. Tudo isso sob o risco de morrer por uma causa nobre, ou viver sob a perspectiva de ver o triunfo da História. Só de relance, e jamais como argumento determinante, nos passaria pela cabeça o modus vivendi do depois. Talvez uma liderança duradoura como a de Che, dependendo da conta em que cada um se tinha, ou então um posto modesto na futura república popular garantida pela invencibilidade da História.

Na esteira dessa bipolaridade, nos divertíamos também, e muito. Não era a toa que se falava de uma esquerda festiva. Ninguém é de ferro, e não se vive só de esperar a hora da vitória. Então nos dividíamos entre cultuadores da Bossa Nova, na música, ou da Jovem Guarda. Entre Elis Regina e Teixeirinha. Entre uma MPB culta de Tom Jobin, Sérgio Mendes, Vinicius de Moraes e os ouvintes fanáticos de Roberto Carlos. A Bossa Nova, a MPB de elite éramos nós, que pensávamos, gente “cabeça”. Jerry
Adriani, Teixeirinha eram os outros, aqueles que só seriam resgatados  depois da revolução, que haveria de vir. Questão de tempo apenas. Sérgio Reis não nos preocupava, por que saíra da Jovem Guarda e fora para o lado sertanejo, para nós apenas rótulos diferentes para um mesmo lugar. Não é que nos julgássemos superiores (pelo menos era o que pensávamos), mas esclarecidos e, como tais, responsáveis pelo resgate dos outros e pela condução deles pelos caminhos da felicidade socialista. 

Apesar de ser um mundo difícil em que muitos de nós perderiam inclusive a vida, era um mundo de escolhas fundamentais, quase definitivas. Uma opção, com frequência, determinava todas as outras. Se era universitário, queria ser inteligente. Ninguém era reconhecido inteligente se não fosse de esquerda. Quem era de esquerda, tinha que gostar de Chico Buarque, de Gilberto Gil e de Geraldo Vandré, na música. Não podia gostar de Roberto Carlos e nem de música sertaneja. Quem não circulasse por essas escolhas era tido como um possível informante do Exército ou da Cia. Além disso, era taxado de pouco inteligente e a ele estaria reservado o fracasso quando a Revolução triunfasse.

Muitos dentre nós não se tornaram grandes profissionais justamente porque priorizavam a luta pela justiça social. Investir em qualificação pessoal em detrimento da dedicação aos movimentos de esquerda seria um roubo da sociedade justa que se preparava. Com isso, muitos naufragaram no embate entre Capital e Trabalho. Ao não se submeter aos ditames cruéis do capital, muitos foram atropelados pelas exigências da vida, e tiveram que abrir mão, mesmo contra a vontade, da “grandiosidade socialista” que não veio; e abraçar a “mediocridade capitalista” que lhes sobrou.

Obviamente esse geração não teve uma vida fácil. Mas teve uma vida plena de sentido. O mundo era lógico em sua bipolaridade. As escolhas se apresentavam muito simplificadas: esquerda, ou direita, capitalista ou proletário, acomodado ou revolucionário. Não uma escolha de cada vez, pois, ser inteligente significava ser esquerdista, socialista, revolucionário, amante de música elaborada. Enquanto ser de direita significava, para aqueles, ser burguês, conservador, inimigo do proletariado, antirrevolucionário, aliado dos EEUU, etc.

Como as escolhas se apresentavam em bloco, o difícil eram as consequências que por vezes implicavam.

Hoje é um pouco diferente. Há liberdade de escolhas. Nenhuma escolha implica outra. Pode-se ser avançado em algumas coisas, conservador em outras. Sair de um show “sertanejo universitário” e entrar num concerto erudito, ter formação marxista e ser filiado num partido de direita. Ter oito horas de trabalho contratado e não sair de casa. Adorar batata frita que engorda, e se impregnar de remédios que emagrecem, ser mãe ou pai de família de dia e homossexual à noite. Assim como nada implica em nada, nada exclui nada. Depois de tudo, parece que a bipolaridade se foi. Aí é que está o grande engano. Num próximo artigo direi por quê.